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Bahia: “Ele chorou porque não queria ser intubado”, diz irmã de músico vítima da Covid-19

 

“Maravilhoso, um bom amigo, excepcional, um ótimo filho”. Foi assim que uma das irmãs do músico Marivaldo Liberato Neri Junior, de 30 anos, que morreu em decorrência da Covid-19, definiu ele em entrevista ao G1. Jacqueline Neri tem 40 anos e é técnica de enfermagem. Segundo ela, apesar de saber que a doença é instável, ainda tinha esperança de que o irmão pudesse vencer a Covid-19.

Marivaldo Liberato deu entrada no gripário do bairro do Pau Miúdo, em Salvador, no sábado (22), e foi transferido para o Hospital Metropolitano, em Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador, no mesmo dia. “Ele fez uma foto no gripário e enviou para mim. Foi a última foto que ele me mandou antes de entregar o celular. Ele mandou só para mim”, relatou a técnica de enfermagem. Segundo Jacqueline Neri, o irmão estava com 84 de saturação de oxigênio quando foi internado no Hospital Metropolitano de Lauro de Freitas. Ele foi colocado no oxigênio, mas ainda assim acabou tendo uma piora e foi para a sala vermelha, de casos mais graves.

“Ele foi colocado na máscara [de ventilação não invasiva] VNI, que fica acoplada também no ventilador. Ele estava bastante nervoso e com medo, porque o problema dele era delicado”, disse. Ao G1, Jacqueline relatou que por ser técnica de enfermagem, sabia que pelo jeito que o irmão reagia ao tratamento, poderia ser intubado em breve devido à piora que teve. A técnica de enfermagem ainda disse que o melhor boletim médico dele foi na última quarta-feira (26). Marivaldo apresentava melhora, estava lúcido, mas continuava sendo um paciente de risco. No entanto, ainda na quarta-feira, por volta das 22h, o hospital entrou em contato com ela para informar que o músico havia piorado e que a saturação de oxigênio havia baixado. Com isso, ele seria intubado. “Eu ainda falei com ele por telefone. Ele disse que me amava”, relatou emocionada.

“Ele chorou muito, porque não queria ser intubado. Ele perguntou à médica se ia doer e ela disse que não”, completou. Na quinta-feira (27), Jacqueline disse que estava apreensiva e que parecia que estava sentindo o que estava por vir. “Por volta das 9h, o hospital me ligou, era a assistente social. Ali eu já percebi que meu irmão tinha morrido. Ela não quis me falar por telefone, mas disse que ele teve uma piora e pediu um comprovante de residência, mas eu sei que quando pede comprovante é porque o paciente veio a óbito”, explicou. Segundo Jacqueline, o irmão teve cerca de quatro paradas cardíacas e faleceu por volta das 7h da quinta-feira. O sepultamento aconteceu na manhã de sexta-feira (28), sob forte comoção. A sobrinha de Marivaldo, Isabele, de 16 anos, chegou a desmaiar, segundo relatou Jacqueline. “Ela era muito apegada ao tio. Eles sempre faziam pipoca juntos. Então, ela passou mal durante o sepultamento”, explicou.

Carreira na música

Marivaldo começou a tocar violino com apenas sete anos. Era tão apaixonado pelo que fazia que chegou a se tornar professor de violino e maestro de uma das orquestras da Neojiba. “Ele era membro fundador da Neojiba. Desde a fundação, ele participou de todas as turnês internacionais do programa, como violinista, e também atuava como multiplicador”, disse o maestro do Neojiba, Marcos Rangel. “Trabalhamos juntos cerca de dois a três anos no programa Caravanas Pedagógicas, do Neojiba, que percorria cidades do interior do estado. Ele era o professor principal dessas caravanas, o que levou ele a estar em praticamente todas as cidades da Bahia. Onde tem uma criança estudando violino nessas cidades, essa criança provavelmente teve aulas com o Marivaldo”, disse o maestro.

Ainda de acordo com Marcos Rangel, além de ser professor e maestro do Neojiba, Marivaldo atuava com música popular e participou de vários grupos como improvisador. “Essa atuação dele no estado da Bahia era muito forte. Ele tinha isso como uma missão de realmente levar música, com muita paixão, com muito amor”, contou o maestro. “Ele dizia o quanto era importante que cada criança do estado tivesse pelo menos a oportunidade de aprender um instrumento. Esse era o grande sonho dele, que a música pudesse estar em todas as cidades, que todas as crianças tivessem a oportunidade que ele teve”, lembra Marcos.

Ainda na entrevista, Marcos Rangel definiu o amigo Marivaldo como uma pessoa que sonhou em ser um grande músico, que brilhou nos palcos do mundo, e nasceu no Subúrbio Ferroviário de Salvador. Segundo o maestro, o músico viajou o mundo, mas nunca esqueceu as origens. “Se tivesse uma viagem internacional ou a oportunidade de dar aula no interior da Bahia, ele preferia dar aula. Era um cara que sonhava com uma Bahia melhor através da música. A arma que ele tinha era o violino, a música, o jeito de lidar com as pessoas e o amor ao próximo”, falou Marcos. Marcos também disse que em datas comemorativas, Marivaldo costumava tocar em hospitais e UPA’s [Unidades de Pronto Atendimento] para levar alegria aos pacientes. Em um vídeo postado nas redes sociais, ele aparece com o violino em uma apresentação para pacientes.

Quarto caso de Covid-19 na família

e acordo com a irmã de Marivaldo, Jacqueline Neri, o músico foi a quarta pessoa da família a ser infectada pelo novo coronavírus. Apesar de trabalhar na linha de frente da Covid-19 desde o início da pandemia, a técnica de enfermagem testou positivo para a doença em fevereiro deste ano. “Eu tomei a primeira dose da vacina contra a Covid-19 em janeiro e a segunda em fevereiro. Logo após comecei a apresentar sintomas. Não sentia cheiro, nem o gosto das coisas. Fiz um teste e deu negativo. Como continuei com os sintomas, fiz outro teste depois de alguns dias e deu positivo”, explicou. Segundo Jacqueline, o marido dela também testou positivo para a Covid-19. Ele chegou a ser intubado, mas venceu a doença. Já no início do mês de maio quem testou positivo foi a mãe da técnica de enfermagem. Ela também se recuperou da doença.

Jovem e sem comorbidades

A morte de Marivaldo Liberato Neri Junior em decorrência da Covid-19 deixou familiares, amigos e alunos abalados, principalmente pelo fato dele ser jovem e não ter nenhuma comorbidade. A informação foi divulgada pelo Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia (Neojiba) nas redes sociais, no final da tarde de quinta-feira.

“É com grande tristeza que nos despedimos de Marivaldo Liberato Neri Junior?. Membro fundador do NEOJIBA, Marivaldo fez parte do programa por 13 anos, como violinista, instrutor e maestro. Ele participou de turnês nacionais e internacionais como integrante da Orquestra Juvenil da Bahia. Esteve à frente das orquestras dos núcleos SESI e CESA e da Orquestra do Sisal e, depois, foi professor de violino na Orquestra Infantil e maestro na Orquestra Pedagógica Experimental”, disse o Neojiba nas redes sociais. Em post feito no Instagram, a Neojiba informou que Marivaldo deixou um legado de luz e alegria. “Marivaldo deixa um legado de luz e alegria por onde passou. Aos 30 anos, sem comorbidades aparentes, foi mais uma vítima desse vírus que já matou mais de 450 mil pessoas só aqui no Brasil. Nós nos solidarizamos com todos que perderam familiares, amigos e amores nesta pandemia. Precisamos urgentemente de mais vacina para todos”. Há cerca de um ano, Marivaldo tinha deixado o Núcleo. Em sinal de luto, todas as atividades foram suspensas, inclusive as virtuais, até o dia 6 de junho. (G1 Bahia)




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