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Políticos processam cidadãos comuns por críticas de nem 10 curtidas

 

Sete reações, entre curtidas e risadas, um compartilhamento. Esse foi o número de interações de uma das postagens que levou a deputada federal Aline Sleutjes (Pros-PR), da base aliada do governo Jair Bolsonaro (PL), a processar um professor no interior do Paraná e duas pessoas conectadas a ele.

Fábio Barbosa de Souza soube da queixa-crime apresentada pela parlamentar pouco mais de dois meses depois de apertar o botão publicar. A parlamentar pedia sua condenação por calúnia e difamação, com penas que, somadas, poderiam chegar a dois anos de detenção, além de multa.

Processos como o sofrido por ele, movidos por autoridades em razão de críticas feitas por pessoas comuns, tornaram-se frequentes com a popularização das redes sociais e são mais uma demonstração de como o tema dos limites da liberdade de expressão está em disputa no país.

Frequentemente o Judiciário tem entendido que ocupantes de cargos públicos estão sujeitos a críticas mais contundentes do que a média.

Advogados ressaltam, por outro lado, que o simples fato de sofrer um processo já é uma punição para cidadãos comuns, que terão gastos com a defesa e precisarão lidar com a incerteza diante do desfecho do caso.

Outras duas pessoas que transcreveram a publicação de Fábio também foram alvos da queixa-crime da deputada —cada uma dessas duas postagens teve um compartilhamento; uma delas teve sete reações, e a outra, oito.

Fábio apagou a publicação. Pelo que lembra, diz, não chegou a ter 20 curtidas.

Mas o teor dela ainda pode ser conhecido, pois está na íntegra na decisão judicial. A postagem acompanhava uma notícia com o título “Parceria entre administração municipal e Aline Sleutjes garante perto de R$ 1 mi para pavimentação”.

“Vou compartilhar isso pras pessoas, principalmente os curitibanos, que se perguntam ‘Como os deputados bolsonaristas se elegem?’ Eles vem pedir voto no interior! Essa deputada, a mesma que apareceu no Jornal Nacional por conta dos rolos do PSL e que quase acabou com a Reserva Florestal de Piraí!”, dizia a publicação de Fábio.

Em seguida, ele apontava supostos erros da oposição a Bolsonaro. “Você acha que os piraienses ligam pra ideologia dela? só votam nela pq ela aparece aqui as vezes! Não tinha nenhum candidato de qualquer partido de esquerda ou centro-esquerda na eleição. Partidos de Esquerda dão votos a ela, pq esquecem do interior.”

Na queixa-crime apresentada contra Fábio e as duas internautas, a defesa da parlamentar dizia que “a honra e boa imagem são essenciais” para o trabalho de Sleujtes e que os ataques sofridos por ela “disseminam notícias falsas, tentando levantar hipóteses falsas e não comprovadas de modo a atingir a reputação da deputada”.

Pouco mais de quatro meses depois, o juiz Norton Thomé Zardo rejeitou o pleito dela, afirmando que não havia na publicação nada que ferisse sua honra e que o direito penal não abarca suposições como “quase acabou” com a reserva florestal.

“É de interesse comum dos cidadãos de determinado município saberem e discutirem acontecimentos que dizem respeito à vida pública e à atuação parlamentar de seus representantes”, concluiu.

O caso do professor está longe de ser único.

Embora não seja tão comum encontrar processos movidos por ocupantes do Legislativo ou Executivo federal contra pessoas sem projeção na mídia, ações do tipo movidas por autoridades municipais são mais frequentes.

Foi o que aconteceu com Alexandre Gonçalves, processado após uma crítica ao então prefeito de São Vicente (SP).

Na última semana do ano de 2019, quando tomava sol na praia, sua tia foi atropelada por um trator de empresa contratada pela prefeitura. Morreu dias depois.

Indignado, Gonçalves publicou em rede social texto em que usou cinco vezes a palavra “assassino” para se referir ao ex-prefeito Pedro Gouvêa (MDB). Dessa vez, foram 350 curtidas.

Gouvêa foi à Justiça pedir a remoção do post e R$ 10 mil por danos morais. A remoção foi feita e, em primeira instância, foi-lhe concedida indenização de R$ 8.000.

Gonçalves recorreu, alegando que não houve dano e que o número de curtidas equivalia a 0,1% da população de São Vicente.

A desembargadora Ana Maria Baldy concordou com os argumentos da defesa e afirmou que “ainda que a crítica seja contundente e mal-educada, constituiu direito fundamental de todo e qualquer cidadão”.

De fato, os julgamentos deixam claro que assegurar a liberdade de crítica não significa nenhum aval à forma como ela foi feita.

“O mais importante é perceber que a manifestação do pensamento não deve ser protegida somente quando polida, sutil, delicada e bem construída. Não é razoável esperar que o cidadão comum formule suas críticas com a mesma sagacidade de Chico Buarque em Cálice “, escreveu o juiz Pedro Henrique Antunes Motta Gomes ao negar pedido da Prefeitura de Olímpia (SP) para condenar um morador por difamação em decorrência de uma live no Facebook.

“A proteção à manifestação da opinião, pensamento e crítica se faz necessária mesmo e principalmente se grosseira, desagradável, rude, mal formulada ou, especialmente, quando incomode detentores de poder”, acrescentou.

Mas há sim casos em que se entende que o cidadão comum cruzou uma fronteira que não se pode ultrapassar.

Foi o caso da crítica postada por Maria José Scamilla Jardim ao então prefeito de São José dos Campos Felicio Ramuth (PSD), hoje pré-candidato ao Governo de São Paulo, por reabrir o comércio em meio à pandemia de Covid-19.

Havia um detalhe curioso: Maria José é mãe de uma juíza que havia tomado decisão contrária à retomada de atividades no município. As postagens dela foram divulgadas pelo próprio Ramuth em sua página para desqualificar a decisão da filha.

A defesa de Maria José afirmou, então, que havia interesse político na ação. O Tribunal de Justiça acolheu parte da sua argumentação, mas não tudo.

Considerou que a expressão “capacho do empresariado”, usada por ela, não extrapolava os limites do legítimo direito à crítica. O mesmo entendimento não valia, porém, para o termo “vagabundo”, considerado ofensivo à honra.

Uma chave para analisar o limite entre a ofensa e a liberdade de expressão é a intenção, diz o advogado André Perecmanis, que atuou no caso do professor Fábio, do interior do Paraná.

“Não basta que a fala seja ofensiva, é preciso mostrar que ela teve a intenção de macular a honra de alguém”, declara.

Perecmanis integra o grupo Cala Boca Já Morreu, que é constituído por escritórios em parceria com o youtuber Felipe Neto com o objetivo de defender pessoas investigadas por proferir uma ideia ou crítica, desde que a fala não contenha incitação a violência ou a práticas antidemocráticas.

Em sua avaliação, houve um aumento significativo do número de ações do tipo em 2019 e 2020, início do governo Bolsonaro. Em sua percepção, à medida que o Judiciário assegurou o direito à crítica em muitos casos, o movimento arrefeceu. (Fonte: Folha de São Paulo)



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