Eleições2022: Em 147 seções eleitorais, Lula ou Bolsonaro tiveram todos os votos válidos, apesar da polarização
Duas
urnas com resultados antagônicos numa só cidade. Em uma, o presidente eleito
Luiz Inácio Lula da Silva (PT) garantiu todos os votos válidos do segundo
turno. Na outra, 100% foram para Jair Bolsonaro (PL). Pode parecer roteiro de
fake news, mas aconteceu em Charrua, no noroeste do Rio Grande do Sul. E o que
soa quase impossível num Brasil dividido eleitoralmente não foi tão raro assim:
segundo levantamento do jornal O GLOBO com base nos dados do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), em 147 seções do país um dos candidatos ao Palácio do Planalto
conseguiu ser unanimidade no último domingo. O placar foi favorável ao petista,
que venceu sem chance alguma para o adversário em 144 urnas, contra três dessas
vitórias absolutas para a conta de Bolsonaro.
Um
dos consensos chegou a virar teoria conspiratória de fraude nas redes sociais e
aplicativos de mensagens. Numa seção de Confresa, no Mato Grosso, teoricamente
um domínio bolsonarista, foram 383 votos válidos, exclusivamente em Lula. Mas o
que gerou estranheza nas redes sociais foi logo esclarecido pelo Tribunal
Regional Eleitoral (TRE-MT): a urna da Escola Estadual Tapi’itawa recebeu os
votos da aldeia indígena Urubu Branco. E, como o cacique local confirmou, todos
optaram, de fato, pelo petista.
Aldeias e quilombos
Esse
mesmo fenômeno se repetiu em outras regiões, majoritariamente longe dos grandes
centros urbanos, em povoados rurais, aldeias indígenas e comunidades
quilombolas ou ribeirinhas. Nos locais onde estavam essas urnas, 22 tinham
“aldeia” no nome; 27, “comunidade”; e outras 51, “povoado”. No Mato Grosso,
apesar da vitória de Bolsonaro com 65,08% dos votos, áreas indígenas de
Confresa e de outros quatro municípios (Porto Alegre do Norte, Campinápolis,
Santa Terezinha e Peixoto de Azevedo) deram 100% dos votos válidos para Lula.
No
Amazonas, São Gabriel da Cachoeira foi o município campeão de unanimidades em
favor do petista: sete vitórias de 100% , todas em regiões rurais indígenas no
Alto Rio Negro, algumas delas em áreas de acesso muito difícil , na fronteira
com a Colômbia ou próximas ao Parque Nacional do Pico da Neblina. Ainda no
estado, o presidente eleito também foi apoiado pelas comunidades indígenas
Vendaval e Santa Inês, ambas no Alto do Rio Solimões, em São Paulo de Olivença.
Num
predomínio igual, em Quiterianópolis, no Ceará, os indígenas Tabajaras deram
100% dos votos a Lula — só dois votaram nulo, no número 12, segundo o registro
digital da seção. Elenize Tabajara, uma das lideranças locais, diz que o apoio
foi natural.
“Somos
nordestinos no sertão do Ceará. A maioria aqui tem grande admiração não pelo
PT, mas pelo governo que Lula realizou. Bolsonaro não fez um bom governo,
principalmente, para comunidades indígenas e quilombolas”, diz ela, numa região
onde a maioria trabalha com agricultura, não recebe Auxílio Brasil e foi
beneficiada por políticas dos mandatos de Lula.
No
Maranhão — estado com mais urnas em que Bolsonaro saiu zerado da votação (47)
—, o cacique Carloman Koganon Canela, do território Kanela/Memortumré, explica
as motivações que levaram o petista a ter 100% da preferência. Entre as razões
de insatisfação com o atual governo, cita a construção de uma estrada que
afirma ser irregular:
“Aconteceram
coisas graves nela. Um indígena foi atropelado, outro desapareceu, e não
encontramos o corpo. Isso no tempo do Bolsonaro. Mas também tem a questão do
clima, e é preocupante o desmatamento no atual governo.”
Na
Bahia, no município de Seabra, na região da Chapada Diamantina, quilombolas do
Capão das Gamelas votaram em peso em Lula, que ganhou de 141 a zero. Já no Sul
do Brasil, na gaúcha Charrua, foi de um ginásio onde moradores de uma reserva
indígena expressaram sua vontade que Bolsonaro saiu zerado, e o rival
contabilizou 302 votos. Numa zona rural do próprio município, porém, o atual
presidente deu o troco: marcou 76 a zero no Salão Comunitário Linha Floresta. O
prefeito da cidade, Valdésio Roque Della Betta (PP), votou em Bolsonaro, mas
garante: o resultado foi consequência da divisão natural da população.
“Nosso
município é pequeno, tem 3,5 mil habitantes. Em Linha Floresta, os eleitores
são, principalmente, ligados ao agronegócio, produtores de soja e milho”,
explica o prefeito. Resultados radicalmente opostos foram registrados ainda no
Pará. Num colégio da Ilha Viçosa, no município de Chaves, Bolsonaro conquistou
todos os votos válidos. Na foz do Rio Amazonas, o povoado faz parte do
arquipélago de Marajó, que desde 2019 aparece em polêmicas geradas pela
senadora eleita Damares Alves (Republicanos-DF), ex-ministra da Mulher, da
Família e dos Direitos Humanos do atual governo. A última controvérsia foi na
corrida eleitoral deste ano, quando ela disse, sem apresentar provas, que
crianças de Marajó estariam sendo traficadas para exploração sexual. Mas,
também no arquipélago, houve seção em que Lula foi absoluto: um centro de
recuperação regional do município de Breves.
É
de lugarejos rurais quase a totalidade das seções de Minas Gerais em que a
apuração terminou com um só candidato votado. O TRE mineiro levantou o perfil
de alguns desses povoados, onde prevaleceu o petista. Em Bertópolis, no Vale do
Mucuri, duas urnas 100% Lula estavam numa aldeia da etnia Maxakali. Em
Januária, resultados semelhantes vieram de duas comunidades rurais, onde também
há quilombos, a uma distância a mais de 50 quilômetros por estrada de terra do
centro do município. No norte mineiro, outra seção com unanimidade estava num
interior isolado e carente, a 14 quilômetros do distrito mais próximo, de
Tocandira. E na mesma região, no município de São Francisco, é preciso
atravessar o rio de balsa, numa viagem que demora duas horas, para chegar à
comunidade Barra dos Caldeirões, onde Bolsonaro tampouco teve votos.
Já
em Carmésia, no Vale do Rio Doce, havia duas seções na aldeia Pataxó, na
Reserva Guarani. Em uma delas, a 42, só houve votos para Lula. Na 43, Bolsonaro
só se livrou de ficar zerado porque teve um único voto.
No exterior
Houve
quatro urnas com placar de 100% a zero até mesmo nos locais de votação para
brasileiros que vivem no exterior. Fica na Venezuela, tantas vezes citada na
campanha, um dos exemplos: em duas seções da capital Caracas, a abstenção foi
quase generalizada, mas os que compareceram às urnas foram todos a favor de
Bolsonaro. Lula, por sua vez, reinou sozinho numa seção de Porto Iguaçu, na
Argentina, e em outra de Havana, em Cuba.
As
urnas que registraram unanimidade não tiveram relevância no resultado final das
eleições: elas representaram cerca de 0,03% dos 60,3 milhões de votos que Lula
obteve. (Com informações do Jornal Extra)
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